sábado, 29 de outubro de 2011

Prisão

Eu vivo numa prisão como a maior parte das pessoas. Uma prisão imaginária criada por homens. Uma prisão que não é definida por barras, nem correntes e uma prisão que não se encontra em torres, nem mesmo em masmorras. Uma prisão que nos prende aqui entre paredes semelhantes às das dimensões desconhecidas que poderão por aí existir. Uma prisão que nem todos conseguem ver ou mesmo tocar. Uma prisão chamada de realidade. Uma prisão finita em constante crescimento que nunca imaginei saber da existência dela, porquê? Talvez porque esta prisão tem crescido ao longo do tempo, como estivesse sempre um passo à nossa frente. Essa mesma prisão definida por limites. Prisão essa que nos faz crer que somos livres quando na realidade não somos, nem conhecemos bem o conceito de liberdade porque na verdade... Só possuímos uma pequena amostra de liberdade. Essa amostra é composta por diversas falsas liberdades que os meus olhos enxergaram ao longo da minha vida.

Nestas prisões existem todo o tipo de pessoas diferentes, mas não importa as suas diferenças ou parecenças, porque na realidade continuamos presos, inclusive aqueles que mandam e gerem estas mesmos... Bem-vindo à prisão de almas... Onde a maior parte das pessoas estão aqui inseridas, nestas prisões feitas por nós mesmos, nessas celas decoradas por nós mesmos com os seus convictos condenados também por nós mesmos. Nestas prisões que por ventura está dentro de outra prisões que ironicamente estará dentro da absoluta prisão alguma vez construída...

Lembro-me de um dia ter dito para mim que não aguentava mais e assim, decidi sair... Mas estranhei o facto de ninguém ter me impedido tal e qual o que se encontrava para além desta prisão. Para além desta prisão, existe um mundo enorme para ser explorado. Um mundo que só de o ver de relance causa algum choque e pavor. Um mundo que me faz sentir um medo estranho como uma excitação que nunca senti antes. E só foi quando me atrevi a caminhar uns curtos passos, assustando-me com as coisas novas que via, deixando para trás as barreiras irreais, essas tais que só eu conseguia ver e ultrapassar. Que eu vi nada, mas mesmo ninguém.

Não vi nadinha de nada a não ser esse mundo que para mim era uma experiência nova. E de o ver senti-me só, embora feliz. Feliz por não estar preso, mas triste por estar em solidão. Melancolia para ser mais preciso, uma sensação difícil de explicar. Sensação essa tão peculiar das que estava habituado... Fugira daquela prisão por não existir uma cela para mim, apesar de viver numa prisão gigante com um número exagerado de celas. Fugi porque sentia-me tão mas tão apertado que mal conseguia respirar. Mas só foi quando julgara ter escapado à maior prisão em que me achava inserido, que eu acabei por entrar noutra prisão ainda mais pequena. Uma prisão chamada de dúvida e de indecisão. Uma prisão ainda mais torturante que todas as que tinha estado...

Encontrava-me agora a meio do caminho que traçara... Atrás de mim permaneciam as paredes invisíveis da realidade e à minha frente o nevoeiro espesso do mistério. Então, respirei fundo e caminhei de seguida adiante para o coração da neblina investigando tudo o que os meus sentidos captavam. Sensações essas que não entendia e ainda não entendo, mas que à media que prossigo a minha mente começa a decifra-las. Todos os sons que escutara nesse dia, gradualmente tornavam-se em voz audíveis em sintonia com os meus passos. Até mesmo os lençóis de fumo ganharam formas e até o próprio ar tornou-se vivo como se as próprias moléculas estivessem livre arbítrio para encher os meus pulmões de uma maneira sobrenatural, ao ponto de gerarem emoções desconhecidas por mim. Podia jurar que reconhecia as almas que dançavam à minha volta e até atrevo-me a dizer, que eram todos os ex-reclusos que nunca mais foram vistos. Esses que provavelmente terão morrido a tentar escapar, ou que possivelmente assim escaparam...

Ouvi uma voz que me tocava com mãos suaves no meu ombro. Tal toque que me despertou um novo sentido. Sentido esse que me transmitia a mensagem - Vem connosco... Junta-te a nós. - De uma forma tão éterea que o meu cérebro nem conseguiu reagir ao que experienciara... Congelei no tempo por breves instantes e quando dei por mim, estava cercado de entidades que me acariciavam o corpo e me suspiravam palavras que nunca esperava ouvir. Palavras que eram demasiado surreais para serem ditas daquela forma, palavras que eu temia, palavras que me mostravam realidades que sempre refutei ao longo da minha vida... Não quis acreditar, pois tudo o que eu acreditara perdeu o sentido tal e qual o meu corpo perdeu o controlo de si. Entrando num frenesim que desencadeou uma tempestade de fogo que se alimentava do meu medo e as labaredas destas corriam pelas minhas veias, gerando doses abismais de adrenalina. Tal impressão não consegui aguentar e só me queria ver livre desta. E assim corri até não a sentir mais e o frio do suor substituir esse calor que as minhas emoções geravam.

Não sabia agora o que se tinha passado lá e nem fazia intenções de saber. A única coisa que só pensava nesse momento, era entrar de novo da prisão que eu tinha fugido... E quando voltei à cela onde estava inserido, aquela que partilhava com outras pessoas a que chamo de família. Estavam a jantar. Nem tinham dado pela minha ausência. Talvez pensariam que estava na cela de outros, ou nos átrios da prisão ou até mesmo nos outros sectores próximos. Entrei e sentei-me junto a eles para jantar também. No final da refeição dirigi-me aquela que fui habituado desde pequeno a chamar de mãe e falei-lhe da experiência que tinha testemunhado. Da maneira que achei mais concisa de se explicar. - Mãe... Eu hoje saí da prisão... Hoje vi um novo mundo. - Mas ela não me levou a sério. Apenas sorriu concluído com umas palavras de consolação de um jeito como não tivesse alcançado nada de valor. Eu olhei para ela e senti raiva... Era raro sentir algo por esta mulher. Mas desta vez não protestei ou utilizei linguagem involuntária como costumava fazer. Apenas saí da sua presença e voltei para o meu lugar da cela, deitando-me na cama. Agora... Não conseguia dormir, pois um ódio crescia dentro de mim tal e qual aquela adrenalina incandescente que me possuiu com o terror. Fiquei frustração e senti nojo de tudo o que via, senti-me violado, senti-me sujo, senti-me inútil, senti-me ridículo, senti-me frágil, senti-me exposto,senti-me magoado e além de tudo o que terei sentido. Senti-me morto... Só queria escapar daqui e esquecer aquele dia... Passaram imensos dias, mas eu continuei preso no mesmo.

Deixei-me levar até a um ponto de saturação. E quando esse momento chegou, aí pulei da minha cama e corri mais uma vez até à fronteira da prisão. Meti de novo o pé lá fora e senti a mesma excitação, o mesmo medo. A desconhecida verdadeira liberdade que me viciava mais que qualquer droga que até agora tinha experimentado, que qualquer emoção que eu julgava transcendente alguma vez sentida. Era como respirar, não podia deixar de a sentir. O corpo pedia por mais, tinha de consumir mais ou eu... Ou eu... Mas quando pensava num termo para me explicar, também reparei que voltei-me a sentir mal. Uma recaída... Mal, porque não tinha ninguém com quem partilhar esta realidade. Mal, porque ninguém acreditava em mim no que eu disse. Mal, porque se faziam crer no que eu diria, mas que não lhes dizia nada. Senti-me mal, porque não tinha ninguém com quem fugir! E assim... Voltei-me a sentar no meio no chão como costumava fazer e ainda faço... Entre o domínio da prisão e o infinito da liberdade. A pensar... Até perceber porque razão continuo a ir e a voltar vezes sem conta... E hoje percebi porquê...

Porque sou eu que crio as minhas prisões! Porque sou eu que suporto aqueles que as criam prisões. Porque eu tenho um tremendo medo de viver fora de uma prisão! Porque a humanidade sempre se encarcerou em prisões! Porque a humanidade fecha-se por dentro nos seus próprios retiros: sendo prisões, ou não! Porque nós prende-mo-nos a tudo que nos gera tranquilidade, nem que seja uma segurança ilusória de prisão! Numa mentira fraca que nós sabemos que não é real! Uma prisão que gera outras prisões onde nós somos escravos das coisas que criamos e nos prendemos vezes sem conta, sem saber! Que estamos presos! Que vivemos iludidos nas liberdades em que criamos! Liberdades essas chamadas de prisões! Chamadas de sociedades! Chamadas de instituições! chamadas de responsabilidades! Chamadas de rotinas! Chamadas de deveres! Chamadas de vidas! Prisões da mente! Prisões de prisões de prisões de prisões de prisões! De prisões que nunca mais acabam!

*

Ninguém me ouviu... Estava no ponto mais longe que consegui alcançar em toda a minha vida. E agora... E agora é tempo de regressar à prisão a que eu chamo de casa. Mas hoje, eu não me prendo. Deixei-me de prender, pois eu não consigo aguentar mais. E é por isso que amanhã irei voltar à linha que separa a prisão do desconhecido. Para avançar mais um passo adiante do que a vez anterior, marcando uma nova marca e regressando de seguida. Ganhando coragem pouco a pouco, enquanto planeio com os restos de paciência que ainda possuo, a minha grande fuga.

Sozinho ou acompanhado, não importa...

E eu sei que um dia vou ser capaz de sair desta prisão para sempre. Eu jurei a mim mesmo...
Um dia vou me libertar quando não existir mais nada em que me apegar aqui. Quando olhar para trás e o passado desvanecer em cinzas...

E só de pensar em tal já me gera excitação... Já me faz sonhar coisas que nunca pensei sonhar e não saberiam que eram possíveis serem sonhadas. Ainda nem alcançando tal proeza, já me sinto realizado tal e qual o calor que a terra recebe do sol que se encontra bem distante... E quando alcançar a rainha de todas as liberdades. Não vou voltar atrás, nem ninguém me fará recuar... Apenas só espero que um dia também se consigam libertar. E quando me libertar... Aí esperarei por todos os prisioneiros que me fizeram sentir menos presos, fazendo parte das vozes suaves que dizem - Vem connosco... Junta-te a nós...

Um dia eu estarei pronto para dar a grande caminhada, sem receio, pelos confins do infinito. Para me perder nesse mundo platónico, onde nenhuma parede terá o poder de me confinar... Ou até mesmo talvez, apenas sairei de uma prisão para encontrar que estou inserido noutra. Mas não importa... Pois quando começar a minha verdadeira fuga, vou viver para escapar de prisões ao contrário de me trancar nestas.

E se a única coisa que restar para além de todas prisões for a minha loucura... Não faz mal... Porque eu já deixei cair a minha máscara de sanidade à muito tempo. Pois um pássaro não foi feito para estar numa jaula, mas sim para voar livre...

Enquanto esse dia não chega, eu continuo a viver nestas prisões dentro de prisões. À procura de alguém que tenha algo para contribuir para a minha fuga, ou que até se atreva a escapar comigo.

Mas infelizmente... Só tenho encontrado pessoas, felizes nas suas próprias prisões.

E às vezes até penso que eles possuem o poder para ver essas paredes fantasmagóricas diante de nós. Mas que simplesmente optaram por se conformar com esta realidade. A mesma, que nem real é... Como se implorassem com todo o clamor... Para que os prendessem para sempre. Em prisões...

*

Ou talvez tenha sido mesmo eu, quem tenha caído mesmo na absoluta prisão onde ninguém alguma vez foi metido. Naquela tão cruel e tão torturante... Que me leva ao ponto de imaginar a única coisa que sou capaz de imaginar... Por não me conseguir prender em mais nada, por ter esgotado todos os métodos de auto-aprisionamento possíveis por mim mesmo e não me restar mais formas de aprisionamento a não ser sonhar com uma liberdade impossível com a única intenção apenas... De me prender em algo para me sentir tranquilo e completo.

Mas se esse dia chegar... Eu me matarei.
Porque não existe maior prisão.
Que uma liberdade impossível.

E é por isso que eles trespassaram os limites definidos por essas linhas que separam do que nós conseguimos fazer e do que nos mata...

Porque quando a liberdade se torna impossível e sem sentido.
Só há uma maneira de a alcançar...
Morrendo. Assistindo a prisão da alma desmoronar-se no chão e se decompor com o tempo.
Enquanto a prisioneira... Liberta-se... Sem nunca mais se prender em algo... A não ser na sua desejada liberdade que nem prisão é... Porque a liberdade não prende... Ela leva a alma, onde esta desejar mais ir.

Blackiezato Ravenspawn

Sem comentários:

Enviar um comentário